Areia dos jatos

O prédio contíguo está a ser submetido a uma operação de limpeza de fachada com jatos de areia que presumo será seguida de pintura da mesma. A limpeza ainda vai no adro, ao que parece, apesar de já se ter passado mais de um mês. Os avisos no elevador com os lamentos pelo incómodo causado e os agradecimentos pela compreensão mesmo não sabendo se nós os moradores do lado estamos compreensivos, têm a data de conclusão inicialmente impressa riscada à mão e corrigida por cima devido aos atrasos. Por conta disto, andamos com metade do nosso estacionamento bloqueado há que tempos para as obras do vizinho prédio não virem encher os nossos carrinhos de porcarias arrancadas à fachada deles misturadas com areia dos jatos. 

(e não dos gatos, tipo)

Uma coerência

As novelas portuguesas têm o mesmo enredo desde tempos imemoriais e que eu saiba. O enredo mostra e mostra e mostra uma pequenez de vistas e de maneiras de fazer inveja às nanotecnologias no que toca a tamanho. 

Mas. De vez em quando, vá lá, dá graça.

Frescura da montanha

Gostava de ter vinte e cinco tardes de sábado seguidas para aproveitar. Com a sua luz coada entrando pela janela. Muito simples. Mas em número de vinte e cinco.

(lá fora já se ouve os carros das corridas, ao passo que dentro permanecem silenciosas as cinco embalagens plásticas de cores saturadas de produtos de limpeza) 

Dom javali

Depois do jantar, com a noite montada lá fora, ainda Júpiter relativamente presente, mas não o luar, abro a porta da cozinha no intuito de inspeccionar os bichos do dia, mas à noite. Estava esperançada depois do avistamento da grande corça macho do final da tarde ali toda toda. Mal ponho o pé no começo dos ladrilhos cor de tijolo, oiço um ronco suíno tão alto e próximo, que o meu corpo reagiu com os instintos mais básicos e ancestrais e num instantinho já estava de novo dentro de casa. Mas deitei a mão à lanterna a cem à hora e investi em frente mais uma vez. Ainda ouvi a restolhada dos passos do javali a instalar distância entre nós, mas vê - lo não vi. Nem com a lanterna emitindo luz fortíssima sobre a vegetação. 

Ontem foi um dia bom ou muito bom. 

Um fado

Se alguém interrompesse constantemente a minha noite de fado espetando o seu chatíssimo telemóvel no meu ouvido para "partilhar" comigo uma mensagem de voz, eu iria rosnar, grunhir ou mesmo atirar o telemóvel em causa contra a parede. 

As pessoas estão muito chatas com a porcaria das partilhas. 

Ontem, no casal em que ela partilhava e partilhava e partilhava, no meio de uma noite de fado, confirmo, ele fazia cara de resignado. Valente. 

Redes neuronais há muitas

Se a imensidão de rede neuronal do nosso cérebro tem milhões e milhões de neurónios desconhecidos mas supõe-se que cheios de vontade de colaborar, para que raio inventamos nós redes neuronais artificiais que mimetizam o que os nossos neurónios conhecidos já fazem lindamente?

(tjongejongejonge) 

Alugam-se quartos com entradas mínimas (cuidado com a cabeça)

A meio da subida íngreme, serpenteante, por entre as casas de pedra, havia uma mesa e um banco semicircular encimado pela inscrição "aos visitantes, sejam todos bem-vindos, 1991". Sentámo-nos para almoçar as sandes de ovo e de queijo com tomate e alface. Li a contracapa do livro acabado de comprar. Dois pequenos ratinhos corriam para debaixo das pedras e tornavam a surgir mais à frente. Um gato interessado aproximou-se mas não demasiado. Os ratinhos esconderam-se. Tirámos fotografias ao escaravelho morto com inclinações de azuis e verdes metalizados e à vista sobre o vale profundo onde, muito pequeninos, estavam estacionados alguns carros. 

Candal

No café da aldeia de xisto vende-se bolas de trapos, bonecas de lã, bolo caseiro às fatias, garrafas de licor beirão e livros em segunda mão cuja receita serve para alimentar os gatos residentes. Os meus olhos inclinados para aqueles bateram num que os prendeu. Chama-se "A arma dos juízes" da Clara Pinto Correia. Comprei-o, evidentemente.

(depois, no regresso, dentro da mochila alinhado com o outro, não enjoou nas curvas) 

Por exemplo (andava com isto entalado)

As varandas de Moscavide mencionadas em páginas (e páginas) das agências imobiliárias permanecem desertas. Apenas uma ou outra tem um vaso de flores lá posto ou uma bicicleta. Gente nunca.